Hoje, como de costume em quase todas as sextas, eu fui buscar o meu irmão mais novo na escola. O meu primeiro susto foi vê-lo saindo do portão do colégio sem que eu sequer tenha chegado a atravessar o segundo sinal. O segurança havia deixá-lo passar sem observar algum adulto para buscar aquele (até então desconhecido para mim) pré-adolescente. Dei um abraço, perguntei o que havia estudado e perguntei o motivo pelo qual ele já estava saindo antes mesmo de eu entrar na escola. Ao entrar no carro, ele se sentou no banco da frente - já não tinha mais medo de ir ao meu lado direito e de enfrentar a minha forma crazylilice de dirigir. Foi o segundo susto. O terceiro veio quando ele chegou para mim, com esses olhos de poesia como diria uma amiga, e disse "olha alicinha, a primeira espinha nasceu aqui no queixo, essa safada!"
Eu tive meu terceiro susto do dia e aquilo mexeu profundamente comigo.
O João, desses que a minha vida é repleta, não era mais aquele menino que me chamava com apenas uma vogal do nome porque não conseguia pronunciar meu nome inteiro. Eu já não precisava mais acordar ele e vesti-lo com aquele short que mais parecia uma calça e ainda com cheirinho de leite levá-lo para a escola. Ele também não era mais aquele menininho de cabelo grande que eu sempre achei que seria um nerd da sala de aula pela fissura em Star Wars e um jeito de quem gostaria de Heavy Metal. O meu joão virou alguém que nunca esse grupo de irmãos havia sido: um participante daquele grupo popular da sala, que não curtia tanto estudar - apesar de ser bem esperto - e fazia sucesso entre as meninas.
Um filminho passou pela minha cabeça: a notícia que minha mãe, já quase na casa dos 40, havia engravidado, eu o pegando pela primeira vez em meus braços e estranhando aquela cara de joelho inchada, as madrugadas em que meu irmão mais velho passava estudando e brincando com ele enquanto meus pais dormiam, minha volta da escola recepcionada por um bebê gostoso brincando no chão da cozinha enquanto minha mãe cozinhava, a primeira escola, a doença rara que quase fez a gente acreditar que ele perderia a visão e etc. Deve ser mais ou menos assim que uma mãe se sente ao ver os aniversários dos filhos.
Depois do joão almoçar e enquanto ele dormia, sentei no pé da cama dele como fazia quando bebê, e comecei a pensar. Quando me vi já estava orando. Não orava ao divino... orava ao João, porque tudo o que invocava eram desejos concretos, alcançáveis e humanos.
Comecei pedindo para que ele sempre se lembrasse dessa fase que está por vir, com espinhas, aparelho e mudanças corporais. Que se lembrasse dessa fase toda vez que visse as meninas, e recordasse do quanto ele é lindo com tudo isso que está ocorrendo porque ele é muito mais que isso. Orei para que ele percebesse todas as meninas das salas e vissem todas as belezas diversas que a sala dele é repleta, de meninas de todos os tamanhos, diâmetros, pesos, com cabelos de todos os tipos e peles coloridas. Que a beleza da vida está nas diferenças, e que assim como só a gente, seu núcleo familiar, reconhecia o que ele falava nos seus 3 anos de vida, algumas pessoas não conseguiriam perceber a beleza dele nessa fase - mas que ele não deixaria de ser lindo nela. E por isso também, respeitasse e visse todas as formas de beleza de cada uma das meninas e mulheres que passarem por sua vida de todas as formas possíveis, que compunham a histologia da raça humana. Rezei para que ele compreendesse que nem toda menina ele vai namorar ou casar, mas que todas elas, sem exceção nenhuma, mereciam respeito - independente das roupas que elas vistam, e que quando alguma menina sofresse algum tipo de violência, ele se propusesse a ajudá-la e a defendê-la. Assim como eu fiz naquele dia em que ele ficou numa fila do MC Donald´s com dinheiro na mão enquanto os adultos passavam na sua frente por não o respeitarem pelo seu tamanho. Orei, do fundo do meu útero - que sempre foi mais forte que o meu coração - para que se um dia ele namorasse e a namorada engravidasse, por descuido de AMBAS partes, ele não a culpasse. E que a deixasse livre para a decisão e estivesse ao seu lado em qualquer que ela fosse, assim como fizeram os meus pais com relação a sua gravidez de risco para minha mãe, que era hipertensa e quase na casa dos 40.
Orei sim, com todas as forças que uma mulher pode ter, para que ele continuasse esse João, com espinha no queixo, aparelho e casca de feijão nos dentes, pensando sempre que poderia ser sua mãe ou sua irmã aquela mulher que passa, que chega, que entra pela porta, que sai pelo corredor...
Que de todos os defeitos que um ser humano pode ter, a covardia não te acometa meu pequeno João.
Ass. Lilice